O mangue ocupa 162 mil km² do
planeta. Só no Brasil, são cerca de 25 mil km² e, em Pernambuco, é possível
encontrá-lo em cerca de 250 km² do ecossistema costeiro. A riqueza ecológica do
mangue faz com que essa área se torne um grande berçário natural, principalmente
para os caranguejos. No entanto, estes animais têm sofrido com a perda de
habitat e crescimento de áreas urbanas no litoral do estado.
A faixa litorânea de Pernambuco,
especialmente nos municípios do Litoral Sul, é berçário de diversas espécies de
caranguejos que vivem em mangues, que sofrem invasões irregulares. Isso acelera
a supressão da vegetação e altera a dinâmica natural das marés, comprometendo a
renovação da água e a sobrevivência destes animais.
"Eu vejo o turismo em áreas
de mangue de forma positiva, porque as pessoas não se interessam em
cuidar, em conservar aquilo que elas não conhecem. Então, quando existe um
trabalho eficaz de educação ambiental elas passam a vestir a camisa [da
proteção]. Acho que a palavra chave para isso é educação ambiental",
afirma a pesquisadora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)
Renata Shinozaki.
A destruição dos manguezais é
hoje uma das maiores ameaças à sobrevivência dos caranguejos e de todo o
ecossistema que depende deles. Esses ambientes sofrem com múltiplas pressões
humanas, como a expansão urbana sem planejamento e turismo predatório. “Os
caranguejos são encontrados tanto no ambiente marinho, quanto no ambiente de
água doce, dentro dos estuários, onde estão os manguezais, um tipo de
ecossistema. Como esses ambientes todos estão interconectados, os impactos
humanos nos rios quanto no ambiente marinho podem afetar os caranguejos dos
manguezais”, alerta o professor e pesquisador do Departamento de Zoologia da
UFPE, Alexandre Oliveira.
Em julho, comunidades
tradicionais, pescadores artesanais e mais de 50 organizações da sociedade
civil reivindicaram a criação da Reserva Extrativista (Resex) do Rio Formoso,
no litoral Sul do estado. A área proposta, de 2.240 hectares, abrange o último
manguezal não urbanizado de Pernambuco. O ecossistema sustenta diretamente a
atividade de cerca de 2,3 mil pescadores nos municípios de Sirinhaém, Rio Formoso
e Tamandaré. A mobilização pela criação da Resex já dura mais de 15 anos, mas
ganhou força recentemente com a campanha “Sem Mangue, Sem Beat”, apoiada por
artistas, universidades, instituições ambientais e lideranças locais.
“Os manguezais perderam muito da
sua cobertura vegetal global. Obviamente, isso aconteceu aqui também. O futuro
também não parece ser muito promissor, porque a gente tem uma mudança climática
em curso. E os ecossistemas costeiros vão ser os primeiros afetados. Mas é
óbvio que toda e qualquer iniciativa no sentido de frear o impacto humano na
natureza pode ter consequências favoráveis”, afirma Alexandre.
Caranguejos: equilíbrio ambiental
Os caranguejos desempenham um
papel fundamental no equilíbrio dos ecossistemas de manguezal. Espécies como o
caranguejo-uçá, por exemplo, revolvem o solo ao cavar suas tocas, o que ajuda
na aeração da lama e favorece o crescimento das raízes das árvores do mangue.
Além disso, ao se alimentar de folhas e restos orgânicos, esses animais
aceleram o processo de decomposição da matéria orgânica.
Eles também fazem parte da base
da cadeia alimentar, pois servem de alimento para aves, peixes e outros
animais. Para as comunidades costeiras, os caranguejos têm grande valor
econômico e cultural, sendo essenciais para a pesca artesanal e para a
culinária tradicional. Em Pernambuco, é possível encontrar espécies como
caranguejo uçá (do mangue), guaiamum, siri azul e aratu. Ainda ocorrem no
estado o maria farinha, aratu, aratu de pedra, maria mulata e o caranguejo
violinista.
“Se os caranguejos começarem a
desaparecer, vai trazer consequências como uma drástica alteração nas
comunidades de organismos vivos porque ele é um animal que interfere muito no
ecossistema onde ele vive”, pontua Oliveira.
A pesquisadora da UFPE Renata
Shinozaki explica que na altura em que a interferência do mangue se encontra,
não fala-se mais em preservação, mas sim em conservação, uma vez que o primeiro
termo é utilizado apenas em meios que ainda não sofreram intervenção humana.
“Existe pesca ilegal, construção
ilegal e com isso tem a diminuição do hábitat dos animais. Todos esses fatores
entram como pontos negativos e acabam desequilibrando [o ecossistema]. Então
por isso que existe a diminuição das populações de caranguejos, porque se tudo
ocorresse certinho, conforme é estudado e estabelecem as leis, provavelmente a
gente conseguiria ter esse recurso mais desequilibrado”, enfatiza Renata.
Desastres costeiros afetam
populações de caranguejos
Em 2019, quando manchas de óleo
cru se espalharam pelo litoral nordestino, a atenção se voltou para as praias
tomadas pelo material. Mas os efeitos do desastre, aliado a pressões crônicas
como o turismo desordenado e o lançamento de esgoto, ainda reverberam nos
recifes.
Uma pesquisa desenvolvida no
Programa de Pós-Graduação em Oceanografia da UFPE analisou justamente esses
impactos sobre duas espécies: caranguejo-saltador-caribenho e bala-pedra.
Os animais foram coletados nos
recifes das praias de Gaibu, em Cabo de Santo Agostinho, e Carneiros, em
Tamandaré. O estudo fez o acompanhamento entre fevereiro de 2019 e fevereiro de
2020, antes, durante e depois do derramamento de óleo, e os resultados revelam
danos tanto na morfologia e no DNA desses crustáceos.
Nos meses seguintes à chegada do
petróleo, os pesquisadores constataram alterações na estrutura populacional dos
caranguejos. Em Gaibu, houve uma redução do número de fêmeas de
caranguejo-saltador-caribenho, possivelmente em razão do fechamento de tocas e
refúgios recobertos pela substância oleosa.
Já em Carneiros, exemplares da
espécie bala-pedra foram encontrados com manchas escuras na carapaça, resíduos
aderidos nas cerdas das patas e até deformidades morfológicas. O tamanho médio
dos indivíduos também apresentou variação, sobretudo em áreas com maior pressão
turística.
“Durante eventos de derramamento
de petróleo as espécies são contaminadas pelo contato direto com o petróleo.
Indivíduos em situações como esta não devem ser consumidos. Durante esses
eventos, muitos indivíduos morrem logo após este tipo de contato, pois eles
tendem a perder sua capacidade de locomoção (ficam letárgicos), e
consequentemente, se tornam incapazes de se alimentar”, explica um dos pesquisadores,
o professor e chefe do Departamento de Oceanografia da UFPE (DOCEAN-UFPE),
Jesser Fidelis.
Para além das alterações visíveis
a olho nu, o estudo mostrou a ocorrência de danos genéticos, associadas à
presença de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) e pesticidas,
identificados nos sedimentos coletados em Gaibu e Carneiros.
Os caranguejos recifais ocupam
posição-chave na cadeia alimentar, servindo de alimento para peixes, aves e
outros crustáceos. Alterações morfológicas, redução da população de fêmeas e
danos ao DNA podem comprometer a capacidade de reprodução das espécies,
afetando o equilíbrio das comunidades recifais como um todo.
Outra ameaça que os caranguejos
sofrem é a presença de microplásticos, destaca Jesser Fidelis. “Os altos níveis
de contaminação por plástico (macro e microplástico) tem influenciado
negativamente espécies de caranguejos, incluindo a diminuição da capacidade
predatória, em espécies carnívoras, diminuição da capacidade de ganho de peso
ou engorda das espécies, o que representa um grande perigo para sobrevivência e
manutenção das populações atingidas”, complementa.
“Conservação” é a saída para manter
caranguejos na natureza
A pesquisadora da UFPE Renata
Shinozaki explica que na altura em que a interferência do mangue se encontra,
não fala-se mais em preservação, mas sim em conservação, uma vez que o primeiro
termo é utilizado apenas em meios que ainda não sofreram intervenção humana.
“Existe pesca ilegal, construção
ilegal e com isso tem a diminuição do hábitat dos animais. Todos esses fatores
entram como pontos negativos e acabam desequilibrando [o ecossistema]. Então
por isso que existe a diminuição das populações de caranguejos, porque se tudo
ocorresse certinho, conforme é estudado e estabelecem as leis, provavelmente a
gente conseguiria ter esse recurso mais desequilibrado”, enfatiza Renata.
A Secretaria de Meio Ambiente,
Sustentabilidade e de Fernando de Noronha de Pernambuco (Semas) afirmou que tem
atuado na fiscalização dos períodos de defeso e do comércio sob coordenação da
Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH). Estas fiscalizações são
intensificadas na fase reprodutiva do caranguejo-uçá.
“Ações de apreensão em feiras e
restaurantes, somadas a campanhas de conscientização ao consumidor, têm buscado
garantir a reprodução da espécie”, destaca a pasta.
Além disso, a Semas diz que tem
atuado na recuperação do ecossistema manguezal em áreas estuarinas da zona
costeira de Pernambuco, no âmbito do Programa Plantar Juntos.
Fonte: Diário de Pernambuco.