A abertura da 30ª Conferência das
Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), hoje, em Belém (PA), marca
um momento decisivo do debate sobre a política ambiental global.
O encontro ocorre quase uma
década após o Acordo de Paris, no qual os países se comprometeram a tentar
conter o aquecimento global abaixo de 1,5°C. Além disso, há o contexto de
tensão geopolítica e desafios para frear o avanço do aquecimento global.
A realização da conferência na
Amazônia reforça o papel simbólico do Brasil no debate climático. Ao sediar a
COP30, o país se coloca no centro das atenções globais.
Para o colunista da Folha de
Pernambuco, o professor e ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj),
Luiz Otávio Cavalcanti destaca que a escolha de realizar a edição da
conferência na Amazônia é estratégica.
“A Amazônia abrange nove
países, cerca de 50 milhões de pessoas e tem reservas importantes minerais
e também medicinais, além disso, tem reservas de petróleo importantes. Essas
reservas e recursos representam uma possibilidade imensa de desenvolvimento
para a América Latina. O protagonismo do Brasil é um gesto de lucidez perante
esse conjunto de potencialidades”, afirmou.
Segundo ele, a grande lição que a
Amazônia pode dar ao mundo é a necessidade de unir os saberes tradicionais com
as novas tecnologias.
Protagonismo
A professora da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenadora do Grupo de Estudos em Meio
Ambiente, Política e Relações Internacionais, Andrea Steiner, avalia que o
protagonismo brasileiro é ao mesmo tempo um ativo e um desafio. Ela observa que
o protagonismo brasileiro só será consistente se vier acompanhado de políticas
efetivas. “Não podemos olhar apenas para a liderança climática brasileira como
ela aparece lá fora: o Brasil precisa ter um protagonismo interno também”.
Apesar das limitações, os
analistas apontam que a escolha de Belém como sede da conferência carrega um
peso simbólico expressivo. “Ao sediar a COP30 na Amazônia, o mundo desloca o
centro da discussão das capitais industriais para a linha de frente das
mudanças ambientais. Isso tem um peso político enorme”, avalia Andrea.
Para o cientista político e
internacionalista Thales Castro, o desafio brasileiro será transformar o
simbolismo em resultados concretos. “O Brasil tem legitimidade para propor uma
nova narrativa: uma diplomacia climática voltada ao desenvolvimento, e não
apenas à contenção. Mas, para isso, é preciso coerência e continuidade”,
avalia.
Ausências
Enquanto o Brasil se apresenta
como anfitrião de um evento histórico, a ausência dos líderes das maiores
potências do planeta (Estados Unidos, China e Rússia) chamou atenção do mundo.
Luiz Otávio Cavalcanti avalia que a falta não tem a ver com o prestígio ou o
desprestígio do Brasil, e sim com o discurso contrário a COP30, de líderes como
o presidente norte-americano Donald Trump e com o descompromisso de alguns
países com o Acordo de Paris.
“São os inadimplentes do Acordo
de Paris, os inadimplentes com o aquecimento global. É a eles que se deve
cobrar a fatura”, afirma. Cavalcanti compara o cenário a um “mito de Sísifo”,
onde o esforço global para conter as mudanças climáticas é continuamente
reiniciado sem resultados concretos.
Castro observa que as ausências
refletem não apenas estratégias diplomáticas, mas também prioridades domésticas
divergentes. “A ausência dos três grandes líderes de potências geopolíticas no
cenário internacional hoje era mais ou menos prevista. A agenda de Trump, no
campo do meio ambiente e da gestão ecológica, é uma agenda bastante antagônica
ao que preconiza a COP30”, explica.
No caso chinês, Castro ressalta a
tensão entre sustentabilidade e desenvolvimento. “A China não abre mão de seu
processo econômico de desenvolvimento, sobretudo no setor industrial”, avalia.
Quanto à Rússia, o isolamento
político provocado pela guerra na Ucrânia tornou improvável qualquer papel de
liderança. Isso porque existe um mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal
Internacional (TPI) contra o presidente russo, Vladimir Putin, e o Brasil é
signatário da Corte desde 2002. “Putin é uma figura inviável nos fóruns
multilaterais. Mesmo que quisesse participar, a recepção seria hostil”,
acrescenta Thales.
A professora do Programa de
Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais, Elia Elisa Cia
Alves, afirma que o peso das ausências é relevante, mas não necessariamente
compromete as negociações. “A COP do Clima adquiriu um caráter mais simbólico
do que técnico. A presença das grandes lideranças tem um peso, mas não é
determinante para a efetividade das decisões. Mesmo sem Xi Jinping, a China
enviou uma delegação de alto nível, o que demonstra disposição a negociar”,
pontua.
Desafio
Os especialistas convergem na avaliação de que a COP30 ocorre em um momento de
desgaste estrutural do sistema multilateral. As metas do Acordo de Paris
parecem cada vez mais distantes, e os mecanismos de financiamento climático
seguem insuficientes. “O multilateralismo está em crise. As grandes potências
se voltaram para dentro, movidas por agendas protecionistas. O problema não é o
Brasil, é o sistema internacional como um todo, que perdeu a capacidade de
coordenar ações comuns”, resume Cavalcanti.
Andrea Steiner complementa que a
paralisia institucional revela a defasagem do modelo atual. “A COP30 revela o
limite de um modelo de governança que não acompanhou as transformações do mundo
nem a urgência dos impactos climáticos. O sistema está desatualizado diante da
velocidade das mudanças”.
Já Elia Alves reforça que o
impasse também reflete um deslocamento de prioridades. “Por anos, a pauta
predominante na agenda climática global foi a mitigação de gases, mas apenas
nos últimos cinco anos, os países em desenvolvimento conseguiram inserir na
agenda a temática da adaptação que, sim, é fundamental que ganhe notoriedade”,
avalia.
Fonte: Folha de Pernambuco.


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