Estudo recém-publicado na revista
The Lancet Regional Health - Americas mostra que a vacina contra a dengue
desenvolvida pelo Instituto Butantan é capaz de frear a replicação do vírus
quando a infecção ocorre - os chamados breakthrough cases (casos de escape
vacinal).
Para o paciente, dizem os
autores, isso pode representar sintomas menos graves e menor risco de complicações.
Do ponto de vista da saúde pública, uma baixa carga viral está associada a uma
redução no risco de transmissão do vírus para os mosquitos.
"Esse dado preliminar sugere
que a vacinação pode ter um efeito importante na circulação do vírus, ajudando
a minimizar novos surtos da doença. Mas é algo que ainda precisamos confirmar
com novos estudos", afirma Maurício Lacerda Nogueira, professor da
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e autor correspondente
do artigo. O estudo contou com a participação de Esper Kallás, diretor do
Instituto Butantan que esteve à frente dos testes clínicos da vacina.
Desenvolvida com apoio inicial da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a Butantan-DV
foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no fim de
novembro e deve começar a ser oferecida na rede pública de saúde em 2026 para
pessoas entre 12 e 59 anos.
Dados da terceira fase de testes
clínicos, com mais de 16 mil voluntários de 14 Estados brasileiros, indicam que
o imunizante tem 74,7% de eficácia geral, 91,6% de eficácia contra a dengue
grave e 100% de eficácia contra hospitalizações por dengue.
A pesquisa liderada por Nogueira
e apoiada pela Fapesp foi feita com amostras de sangue de participantes do
estudo clínico de fase 3. Foram analisadas 365 amostras positivas para o vírus
(sorotipos 1 e 2, que estavam em circulação entre 2016 e 2021, quando ocorreu a
fase 3), divididas em dois grupos: o dos vacinados e o de indivíduos que
receberam placebo. O objetivo foi analisar a diversidade genética do vírus e
compará-la entre vacinados e não vacinados.
Foram sequenciados os genomas
virais completos de 160 amostras e, com os dados, foi montada a "árvore
genealógica" do vírus (análise filogenética). "Uma das dúvidas que
buscamos responder é se haveria alguma linhagem viral associada ao escape vacinal,
ou seja, se a vacina estaria protegendo apenas contra algumas linhagens e
deixando escapar outras. E vimos que isso não estava acontecendo. As cepas eram
as mesmas nos dois grupos analisados", conta Nogueira.
Outro objetivo foi verificar se a
vacina estaria exercendo uma pressão seletiva sobre o patógeno, isto é,
favorecendo o surgimento de variantes capazes de driblar os anticorpos
induzidos pela vacina. Com auxílio de modelos computacionais, os pesquisadores
analisaram as mutações que estavam ocorrendo dentro de cada participante. Os
dados indicam que não houve diferença nas taxas de mutação entre vacinados e
não vacinados.
Ao olhar a diversidade genética
do vírus dentro de cada indivíduo, por meio de uma técnica conhecida como deep
sequencing, os cientistas concluíram que - ao menos neste primeiro momento do
ensaio clínico - o sistema imune treinado pela vacina não estava selecionando
variantes raras ou perigosas dentro do organismo dos imunizados. "Este é
mais um dado que mostra a segurança e a eficácia dessa vacina", afirma
Nogueira.
Contexto epidemiológico
Considerada uma região
hiperendêmica para dengue, no Brasil é comum que diversas linhagens do vírus
circulem simultaneamente. Em 2024, quando ocorreu a maior epidemia da história
do país, com mais de 6 milhões de casos e 6 mil mortes confirmadas, os
sorotipos predominantes foram o DENV-1 e o DENV-2.
No estudo agora publicado, os
autores analisaram a circulação viral durante toda a fase 3 dos testes clínicos
da Butantan-DV (2016-2021). Os sorotipos predominantes foram o DENV-1 e o
DENV-2, motivo pelo qual a análise filogenética se concentrou neles. Casos de
DENV-3 e DENV-4 foram raros nesses cinco anos e, segundo os autores, a eficácia
da Butantan-DV contra esses sorotipos continuará sendo avaliada em estudos futuros,
à medida que novos dados se tornem disponíveis.
Fonte: Folha de Pernambuco.


Nenhum comentário:
Postar um comentário