"Senti a morte quando ele apertou meu pescoço": Maria da Penha completa 19 anos contra violência de gênero


 

                “Eu realmente senti a morte quando ele apertou meu pescoço enquanto estava com uma faca na mão”. O terror vivido pela técnica de enfermagem, moradora de Jaboatão dos Guararapes Kelly Araújo, de 48 anos, resultou em uma medida protetiva contra o ex-companheiro por meio da Lei Maria da Penha, que completa 19 anos desde sua promulgação nesta quinta-feira (7).

“Tudo começou com a possessividade e com a proibição de falar com outros homens. Eu não podia ir para a academia, não podia trabalhar e nem fazer meu curso. Isso evoluiu para agressões em que ele me dava socos, puxava meu cabelo e me mordia. Aquela questão me adoecia psicologicamente”, relata Kelly, que viveu um relacionamento abusivo por anos por receio de deixar o ex-marido, que tem problemas com bebidas alcoólicas.

Após ser socorrida diversas vezes por vizinhos e parentes, ela levou o caso para as autoridades policiais e para a Justiça, onde conseguiu uma medida protetiva.

Desde que entrou em vigor, em 7 de agosto de 2006, a lei tornou-se um dos principais instrumentos de combate à violência doméstica e familiar no Brasil. Sancionada em 2006, a lei leva o nome de Maria da Penha Maia Fernandes, que se tornou símbolo da luta pelos direitos das mulheres após sobreviver a duas tentativas de feminicídio cometidas por seu então marido.

O caso ganhou repercussão internacional e levou o Brasil a ser condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA por negligência e omissão diante da violência contra as mulheres.

A lei prevê medidas protetivas de urgência, como o afastamento do agressor do lar, a proibição de contato com a vítima, além de políticas públicas de prevenção, assistência e reeducação. Ela também ampliou o conceito de violência, que passou a incluir não apenas a agressão física, mas também a psicológica, sexual, patrimonial e moral.

No entanto, os desafios ainda são grandes. Nos primeiros sete meses de 2025, Pernambuco contabilizou 53 casos de feminicídios. No mesmo período de 2024, foram registrados 49 casos em todo o estado, o que representa um aumento de 8,1%. No que se refere à violência doméstica contra a mulher no Estado, foram registrados 32.075 casos nos sete primeiros meses de 2025, segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS-PE).

De acordo com a gestão estadual, desde o ano passado, 6.980 mulheres com Medidas Protetivas de Urgência (MPUs) são acompanhadas pela Patrulha. Entre 2024 e 2025 foram realizadas 33.405 diligências. Neste ano, 518 mulheres ingressaram no programa e 4.829 diligências foram realizadas.

Delegada lança livro para mulheres identificarem agressores

A delegada Tereza Nogueira lançou o livro “Barca Furada – Analisando o perfil do novo relacionamento”. A ideia nasceu de um desejo antigo da autora de contribuir para a prevenção da violência doméstica. “Desde que comecei no combate à violência contra a mulher, já carregava dentro de mim um desejo muito forte de deixar uma contribuição nessa área, especialmente na prevenção”, explica Tereza.

Diferente de outras obras voltadas à temática, o livro não pretende ensinar sobre leis ou minúcias jurídicas. O objetivo é alertar mulheres sobre sinais sutis que podem surgir logo no início de um relacionamento abusivo. “Falo sobre o que chamo de ‘período de experiência’ ou ‘estágio probatório’. A fase dos três primeiros meses, onde os sinais já podem indicar que aquela mulher está entrando numa barca furada”, explica.

No livro, Tereza apresenta 49 perguntas que funcionam como um checklist. Elas ajudam a leitora a refletir sobre o comportamento do parceiro e a reconhecer padrões perigosos, muitas vezes romantizados.

Segundo ela, esse controle se manifesta de diferentes formas: críticas ao modo de vestir, restrições de amizades, interferência na vida profissional ou acadêmica, e até tentativas de isolar a mulher da própria família.

A obra também traz o que a autora chama de “nove passos práticos” para ajudar mulheres a saírem de relacionamentos abusivos.

Uma das preocupações da delegada foi tornar o livro acessível e seguro. Por isso, optou por lançá-lo também em formato digital. “O livro impresso pode colocar a mulher em risco. O agressor pode vê-lo, reconhecer o conteúdo e impedir que ela leia, ou até reagir de forma violenta. Já o digital permite que ela tenha acesso com mais discrição, no celular ou tablet, com apenas um toque”, explica.

“Hoje, as mulheres denunciam mais, mas ainda não o suficiente”

A delegada também refletiu sobre a evolução das denúncias de violência doméstica desde a criação da Lei Maria da Penha.

“Hoje, felizmente, as mulheres denunciam mais. Mas ainda não posso dizer que a maioria procura ajuda no início da violência. Isso varia muito de mulher para mulher, e está ligado a padrões culturais e crenças limitantes”, afirma.

Disque 180: canal de apoio

A Central de Atendimento à Mulher – Disque 180 é uma das principais portas de entrada para denúncias e orientações. O serviço é gratuito, sigiloso e funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana.

Fonte: Diário de Pernambuco.

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