Após uso de armas de gel, clínica do Recife recebe 17 pacientes com lesão nos olhos em quatro dias



Febre entre crianças e adolescentes no Brasil, as armas de balas de gel podem gerar sérias consequências para quem usa e até para quem não tem nada a ver com a "brincadeira". O aumento de atendimentos relacionados a ferimentos nos olhos provocados por disparos desse tipo de produto fez a Fundação Altino Ventura (FAV), no Centro do Recife, a fazer um alerta.

Vítima da arma de gel

Segundo a FAV, em apenas quatro dias, 17 pacientes foram atendidos com ferimentos nos olhos. Um deles foi o pequeno Kauê Antony da Silva, de nove anos.

Ele estava brincando com amigos, no último domingo, quando foi atingido por um disparo de arma de gel no olho direito. O garoto foi socorrido às pressas para a unidade hospitalar, onde precisou passar por cirurgia.

"Agora ele está se recuperando. Está tomando os medicamentos e vai fazer acompanhamento semanal", explicou o tio do garoto, o influenciador digital Rafael Gomes, 30 anos.

Ainda segundo o tio, a equipe médica repassou que, no futuro, o menino pode ter maiores chances de doenças no olho atingido pelo disparo, como catarata. Passada a dor e o transtorno do caso, a família não vai mais permitir que a criança use dispositivos do tipo.

"A gente não vai deixar nem ele, nem os irmãos e primos usarem. É muito perigoso. Chegaram muitos casos na gente, que podem lesionar gravemente. Não podemos deixar isso continuar", completou o familiar.

As balas de gel são feitas de polímero superabsorvente, que pode causar lesões graves ao atingir regiões sensíveis do corpo, como os olhos. Em impactos mais fortes, é possível, inclusive, causar algum dano permanente, como perda da visão e aumento de riscos à contração de doenças. 

Principais queixas

A dor sentida pela família de Kauê nesses últimos dias não foi única. Segundo a oftalmologista e vice-coordenadora do Departamento de Cirurgia Refrativa da FAV, Camila Moraes, as principais queixas dos 17 pacientes foram sangramento ocular, inflamação conjuntival e uveíte, que é uma inflamação do tecido vascular interno do globo ocular que precisa de tratamento prolongado para evitar sequelas visuais.  

"Pelas lesões encontradas, o impacto desses projéteis parece ser muito significativo. Nossa maior preocupação é que esses traumas podem causar ruptura das camadas da retina, levando a descolamento de retina mesmo semanas após o impacto. Isso significa que crianças podem ter a visão comprometida e, sem perceber, não relatar isso aos pais, o que pode resultar em cegueira irreversível", alertou a doutora.

O que diz a legislação

Apesar dos perigos, possuir ou comercializar armas de gel não pode ser considerado crime. Isto porque o dispositivo não é visto como um simulacro, objeto que simula a arma, e na maior parte das esferas é tratado como um brinquedo. 

A definição, no entanto, já foi rechaçada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), que classifica equipamentos do tipo como "réplicas de armas com projéteis de bolas de gel".

Assim, para a pasta, dispositivos do tipo são comparáveis a armas de paintball e airsoft, por exemplo. A diferença é que esses equipamentos precisam passar por uma fiscalização rigorosa do Exército para normatizar uso e compra, além de ossuírem uma ponta laranja de identificação, obrigatoriamente, o que não nem sempre é o caso das armas de gel.

Infração
Por mais que as armas de gel não sejam classificadas como brinquedos, a comercialização é livre e tem virado febre Brasil afora. Por mais que o porte não cause punição, o uso indevido pode ser visto como infração, caso gere lesão corporal.

"Se uma criança está 'brincando' com outra e for ferida por um disparo de arma de gel, sofrer alguma lesão corporal, grave ou não, o caso pode ser considerado uma infração no Estatuto da Criança e do Adolescente. Neste caso, os pais do autor do disparo seriam responsabilizados judicialmente pela questão, já que a criança é de menor e não responde por seus atos", explicou o advogado Edmilson Alves à Folha de Pernambuco.

Se a criança estiver sozinha e provocar dano a si mesma com uma arma de gel, os pais também podem ser responsabilizados, segundo o advogado. "Seria um caso de omissão dos responsáveis, que sabem que a criança pode se machucar com o utensílio, mas mesmo assim a deixam sozinha com ele, sem supervisão", explicou.

O mesmo vale para maiores de 18 anos, inclusive. Não pelo uso da arma de gel, e sim pelo dano a um terceiro. "Se classificaria também como lesão corporal, tanto no Código Civil, quanto no Penal. Então, se causar dano a alguém, aquele pessoa vai poder responder pelo crime, e dependendo do julgamento da Justiça e da gravidade, pagar multa também", completou Edmilson Alves.

Casos alarmantes

Para a segurança pública, o aumento de casos do tipo está cada vez mais alarmantes. Casos alarmantes não só de lesões provocadas em "brincadeiras", como também na possibilidade de uso de armas de gel para simular pistolas em assaltos, além das "batalhas", onde jovens se encontram para duelar com os equipamentos. 

Registros do tipo já foram feitos em áreas de comunidade do Rio de Janeiro, e ligam o sinal de alerta para outras partes do Brasil. "Tais batalhas acabam tendo aspectos de briga de galera, com grupos marcando confrontos na rua com potencial para produzir desordem pública", explicou o especialista em segurança, Giovani Santoro, em conversa com a reportagem.

Ainda para o especista, o momento atual, com a pauta em alta, deve ser usado para repudiar o uso de armas de gel por toda a sociedade antes que casos mais graves aconteçam. 

"Os pais precisam saber o que seus filhos estão fazendo diariamente e orientá-los sobre essas condutas inadequadas que podem levar a sua apreensão e medidas protetivas com restrição de liberdade", afirmou.

Fonte: Folha de Pernambuco.

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