Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, derrubaram a tese da “legítima defesa da honra” em casos de feminicídio. O argumento, vergonhoso e machista, enfim, se tornou inconstitucional no Brasil.
A decisão é louvável e
reforça nossa luta de enfrentamento à violência contra a mulher. Por outro
lado, nos convida a refletir sobre o porquê de, em pleno século 21, um tema
como este ainda fazer parte do nosso cotidiano.
A tese da legítima
defesa da honra foi implementada no Brasil Colônia, como bem disse o Ministro
Alexandre de Moraes, mas ainda vigorava graças ao Código Penal Brasileiro, de
1940. Seu artigo 25 diz que: bastando que exista uma injusta agressão, e que a pessoa se
utilize dos meios necessários e de forma moderada, visando repelir a injusta
agressão. Ou
seja, é um instrumento legal para legitimar crimes de feminicídio.
E
estamos sendo testemunhas desta barbárie. Apenas no primeiro semestre de 2020,
648 mulheres foram assassinadas no Brasil e em 90% dos casos o criminoso é o
companheiro ou ex-companheiro.
O
racismo também perpassa a violência contra a mulher: no ano passado, 66,6% das
vítimas de feminicídio eram negras. O percentual indica a maior vulnerabilidade
dessa população, já que as negras representam 52,4% da população de mulheres no
Brasil. Os dados foram divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(FBSP) e integram o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
E
estamos sendo testemunhas desta barbárie. Apenas no primeiro semestre de 2020,
648 mulheres foram assassinadas no Brasil e em 90% dos casos o criminoso é o
companheiro ou ex-companheiro.
O
racismo também perpassa a violência contra a mulher: no ano passado, 66,6% das
vítimas de feminicídio eram negras.
O
percentual indica a maior vulnerabilidade dessa população, já que as negras
representam 52,4% da população de mulheres no Brasil. Os dados foram divulgados
pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e integram o 14º Anuário
Brasileiro de Segurança Pública.
Uma sociedade em que as mulheres são tidas
como inferiores e ainda vistas como propriedade dos homens, pela maioria dos
“cidadãos de bem”.
A presença deste tema em nossos dias ainda é a expressão explícita do
patriarcado e do machismo estruturado na sociedade. Uma sociedade que
naturaliza a violência de gênero e desvaloriza a vida das mulheres e das
pessoas LGBTs, alvos constantes de agressões e mortes. Uma sociedade em que as
mulheres são tidas como inferiores e ainda vistas como propriedade dos homens,
pela maioria dos “cidadãos de bem”.
Mesmo com toda a luta do movimento de mulheres e movimento feminista,
falta uma longa estrada para que possamos comemorar. Mas já temos conquistas,
como a Lei 11.340/2006, a chamada Lei Maria da Penha, e
a Lei 13.104/2015, conhecida como Lei do Feminicídio,
que tipifica o crime como hediondo, e temos as iniciativas de organizações de
mulheres que se desdobram para dar enfrentamento à violência de gênero.
No âmbito do Estado,
preconizado pela Lei Maria da Penha, conquistamos alguns equipamentos que
estruturam uma rede de enfrentamento à violência contra a mulher: centros de
referências, delegacias de mulheres, casas de abrigamento, secretarias e
coordenadorias de mulheres, varas especializadas de violência doméstica. Todos
estes serviços são frutos da luta do movimento de mulheres e movimento
feminista, incansáveis na busca por justiça, igualdade de direitos e um mundo
sem violência. No entanto, esta estrutura é desigual. Nem todos os municípios
priorizam a política da mulher e boa parte das mulheres não têm acesso a tais
serviços.
Nessa trajetória de luta
para enfrentarmos a violência contra a mulher não posso deixar de destacar o
papel do Centro das Mulheres do Cabo (CMC), pioneiro no município no
acolhimento às mulheres em situação de violência. Primeira entidade a acionar a
Lei Maria da Penha, quando ela entrou em vigor, para salvar a vida de Cileide
Cristina, que sofria violência durante anos, de seu marido. A ação foi
realizada por meio da advogada Lucidalva Nascimento, que na época integrava a
equipe do CMC.
Outra ação relevante em defesa das mulheres foi a criação do Comitê de
Monitoramento da Violência e do Feminicídio no Território Estratégico de Suape
(COMFEM), em 2015. Este, uma articulação de gestoras de políticas públicas e
organizações de mulheres de oito cidades: Jaboatão dos Guararapes, Cabo de
Santo Agostinho, Moreno, Ipojuca, Escada, Ribeirão, Sirinhaém e Rio Formoso. O
comitê realiza ações coletivas, monitora os dados da violência na região e
fortalece os organismos e organizações de mulheres, realizando cursos, oficinas
e ações a nível local e regional. Em 2019 o COMFEM, recebeu comenda da
Secretaria de Defesa Social (SDS) como entidade que deu apoio ao governo
estadual no combate à violência contra a mulher.
Por trás de cada uma de nossas ações existe o
objetivo de frear a violência contra a mulher. Dados do Instituto Patrícia
Galvão, de 2019, dimensionam a gravidade deste quadro no Brasil: um estupro
acontece a cada 11 minutos, uma mulher é assassinada a cada duas horas, 503
mulheres são vítimas de agressão a cada hora e ocorrem cinco espancamentos a
cada dois minutos.
Quando analisamos os dados vemos que meninas e mulheres estão sendo diariamente
vítimas de violências baseadas em gênero, dentro e fora de casa e
principalmente provocadas por pessoas conhecidas e em circunstâncias ainda
toleradas socialmente. A nossa cultura naturaliza comportamentos violentos,
muitas vezes ficando ocultos no âmbito familiar, e não apoiando as vítimas que
sofrem em silêncio.
Diante disso, acreditamos na importância de uma educação não sexista e
em políticas públicas que promovam a equidade de gênero e valorizem os direitos
humanos, além de investimentos na formação de meninas e mulheres e em
equipamentos que possam instrumentalizar a rede de enfrentamento à violência
contra a mulher.
Izabel Santos é filósofa,
especialista em Direitos Humanos, faz parte da coordenação do Centro das
Mulheres do Cabo e coordena o Comitê de Monitoramento da Violência e do
Feminicídio no Território Estratégico de Suape – COMFEM.
Fonte: https://falouedisse.blog.br/
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