FOTÓGRAFO RECIFENSE CONTRASTA RELAÇÃO ENTRE DOMÉSTICAS E PATRÕES A PARTIR DE CÔMODOS

 

“Ela é praticamente uma pessoa da família". A frase, ouvida em conversa com empregadas domésticas do Recife durante a produção do projeto fotográfico virtual Suíte master e quarto de empregada, de José Afonso Silva Júnior, reflete sobre as relações entre as trabalhadoras e os patrões, herança do Brasil escravocrata. Ao longo de três anos, o jornalista, fotógrafo e professor da UFPE visitou casas e apartamentos de classes média e alta da Região Metropolitana, com autorização prévia, no intuito de esmiuçar essas relações - não apenas profissionais, legais, trabalhistas, mas também pessoais - , a partir dos cômodos dos empregadores e dos empregados.

O conteúdo está disponível para o público no site, e o autor dialoga com o público em uma live nesta terça-feira (9), a partir das 19h, no YouTube e Facebook. A conversa terá participação de Mirtes Souza, mãe do menino Miguel, que faleceu após cair do 9º andar de um edifício no Centro do Recife, e a pesquisadora Daniele Zaratin, que iniciou trajetória como doméstica. A mostra tem curadoria do também fotógrafo, professor e pesquisador Eduardo Queiroga, também presente no bate-papo.

Uma série de sobreposições sociais colabora para refletir sobre a problemática. Ao longo dos anos, o “quarto de empregada”, cômodo que não segue normas arquitetônicas de ventilação e iluminação, transformou-se em quarto de serviço, reversível ou simplesmente depósito. A “transformação cosmética”, no entanto, não evitou a continuidade das relações precárias.

A análise visual construída por Afonso expressa a dualidade que reverbera entre os arranjos e as relações sociais contemporâneas. A pesquisa, financiada pelo Funcultura, conta com um conjunto de 61 fotografias, que se apresentam tanto em modo de ensaio, como num pequeno inventário. As imagens podem ser vistas na seção Galeria do site, que conta ainda com relatórios, pesquisas, fotografias, exposições em congressos e publicações em livros.

O projeto foi pensado em 2015, quando foi assinada a PEC das Domésticas, legislação que assegurou e ampliou os direitos trabalhistas da categoria, equiparando-a com os demais trabalhadores do mercado. “No período, havia uma preocupação maior do impacto da PEC no orçamento familiar com o aumento dos encargos trabalhistas, do que na percepção de que estavam reproduzindo processos históricos enraizados na escravidão, codificados em relações precárias”, avalia José Afonso.


“Eu fotografei um imaginário que não tem um contorno preciso, mas transita na construção histórica de dispor da ajuda de uma classe social inteira para tocar as coisas da casa. O que ajuda a entender que como entre o quarto de empregada e a suíte master tem linhas invisíveis, e, ao mesmo tempo, muito concretas de como a arquitetura brasileira dá segmento a essa segregação de uma linha divisória muito forte que permite a expansão e a dilatação do que está na fotografia”, explica o autor.

Além de um amplo material fotográfico sobre o tema, ele também colheu frases durante os encontros. A seleção dos endereços que seriam fotografados foi a etapa mais trabalhosa e contou com o apoio das assistentes de produção fotográfica Marcela Cintra e Marcela Cavalcanti. “Foi um trabalho de paciência e cooperação. Algumas pessoas procuradas não queriam se expor. Os proprietários das casas mais luxuosas foram os mais difíceis de topar a experiência, mas tivemos registro nas duas pontas, tanto classe média, quanto classe mais abastada”, conta o fotógrafo.

O processo encontrou resistência porque não deveria ser furtivo. “As pessoas teriam que saber que seus espaços seriam fotografados, sem câmera invasora.” O processo fotográfico foi realizado no Recife, mas ilustra uma situação presente em todo o país. “É uma coisa muito única do Brasil, onde há entradas segregadas de trabalhadores em prédios, elevadores de serviço, áreas restritas a empregados, sintomatiza uma série de relações. Não particularizei nenhum caso, a mostra representa uma situação que se repete em vários contextos. Também não identificamos moradores ou endereços, porque o intuito é fazer críticas gerais, não personalizadas”, destaca.

Fonte:https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/viver/2021/03/fotografo-recifense-contrasta-relacao-entre-domesticas-e-patroes-a-par.html



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