O ruído constante das ruas,
buzinas, obras e som alto em festas vem deixando sequelas cada vez mais claras
na saúde auditiva, e a Região Metropolitana do Recife não está imune ao
problema. Na capital, o Código Municipal de Meio Ambiente estabelece limites de
emissão sonora que variam por horário e tipo de área e em geral são permitidos
até 70 decibéis entre 6h e 18h e, à noite, limites menores, com quedas para 55
decibéis e 45 quando se trata de áreas sensíveis, como escolas e hospitais.
As regras existem para proteger o
sossego e a saúde da população, mas o descumprimento e a exposição contínua
tornam a fiscalização e a conscientização necessárias. Uma pesquisa da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) intitulada “Diagnóstico da Poluição
Sonora na Cidade do Recife” aponta que muitos pontos urbanos do Recife
apresentam níveis de ruído que incomodam e, em alguns casos, superam limites
saudáveis.
O trabalho destaca que
trabalhadores como camelódromos registraram exposição diária a diferentes
fontes sonoras, com o tráfego figurando entre os principais geradores de
incômodo.
Os principais vilões do barulho
são bares, restaurantes, atividades religiosas, propagandas com caixas de som,
casas de show e obras da construção civil. Segundo a pesquisa, Boa Viagem, no
sul da cidade, e bairros do Centro e Zona Norte, como Boa Vista e Casa Amarela,
concentram grande parte das denúncias.
De acordo com a Organização
Mundial da Saúde (OMS), o ruído é considerado a terceira maior forma de
poluição do planeta, atrás apenas da água e do ar. Sons acima de 75 decibéis já
podem causar danos auditivos, estresse, aumento da pressão arterial e
distúrbios do sono.
“A gente sabe que o uso
prolongado e com volume alto também causa perda auditiva. Hoje, vivemos até uma
espécie de “epidemia” de perdas auditivas em pacientes jovens, justamente pelo
uso excessivo de fones com volume muito alto”, afirma a otorrinolaringologista
Nicole Cardoso.
Níveis de ruído e riscos à
audição
No Brasil, as normas trabalhistas
estabelecem que o limite de exposição segura durante uma jornada de oito horas
é de 80 decibéis. Isso significa que quanto mais alto for o ruído, menor deve
ser o tempo de permanência no ambiente para evitar prejuízos auditivos.
De acordo com uma tabela
elaborada pela Universidade de São Paulo (USP), o tempo máximo recomendado de
exposição varia conforme a intensidade sonora, de até 8 horas para 85 decibéis;
4 horas para 90 decibéis; 2 horas para 95 decibéis; 1 hora para 100 decibéis;
30 minutos para 105 decibéis e apenas 15 minutos para 110 decibéis.
O otorrinolaringologista Luiz
Antônio Barbosa explica que “existem algumas alterações auditivas induzidas por
ruído que são causadas por sons contínuos, como, por exemplo, a exposição
prolongada à música em volume alto ou ao uso de equipamentos e máquinas que
produzem ruídos constantes. Esses casos precisam de uma continuidade na
exposição para gerar lesão auditiva. Por exemplo, uma pessoa que opera uma
máquina diariamente fica exposta àquele som por várias horas, e essa exposição
repetida, ao longo do tempo, pode causar dano auditivo”.
Dados da Pesquisa Nacional de
Saúde (PNS) de 2019, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), apontam que 17,3 milhões de brasileiros com dois anos ou
mais, o equivalente a 8,4% da população, possuem algum tipo de deficiência.
A pesquisa explica que a perda
auditiva se caracteriza quando a pessoa tem muita dificuldade para ouvir ou não
consegue escutar de forma alguma. Uma das principais causas é a exposição
constante a ruídos intensos, especialmente acima de 85 decibéis, durante longos
períodos.
“A chamada perda auditiva
induzida por ruído, que ocorre pela exposição constante a sons altos, pode não
ter reversão. Uma vez que a perda acontece, o paciente pode não recuperar mais
a audição. Então, por exemplo, se a pessoa reside ou trabalha ao lado de um
local onde há uma obra com uso de maquinário, que produz sons muitas vezes
acima de 100 decibéis, ela pode, em apenas uma ou duas horas de exposição,
desenvolver uma lesão auditiva irreversível”, destaca a otorrinolaringologista
Nicole Cardoso.
Barulho do trânsito associado à
depressão e ansiedade
Um levantamento realizado pela
Universidade de Oulu, na Finlândia, indica que viver em locais com muito
barulho de trânsito pode elevar o risco de depressão e ansiedade entre
crianças, adolescentes e jovens adultos. O estudo identificou que níveis de
ruído acima de 53 decibéis já representam um fator de risco para a saúde
mental.
“O som é processado inicialmente
como um estímulo neutro, mas torna-se um estressor quando ultrapassa a
capacidade de adaptação do sistema nervoso, seja pela intensidade, frequência,
imprevisibilidade ou impossibilidade de controle. O cérebro, especialmente a amígdala,
interpreta ruídos altos ou contínuos como potenciais sinais de ameaça. Isso
aciona o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, liberando cortisol e adrenalina.
Quando essa resposta é repetida, o corpo permanece em estado de alerta
prolongado”, explica a psicóloga Brunna Lima.
A pesquisa, publicada na revista
Environmental Research, acompanhou mais de 114 mil pessoas nascidas entre 1987
e 1999. Os participantes foram monitorados por até dez anos, entre 8 e 21 anos
de idade, com base em informações sobre o ambiente residencial e registros de
saúde.
Os cientistas calcularam a média
anual de ruído proveniente do tráfego rodoviário e ferroviário nas áreas onde
os jovens viviam. Esses dados foram cruzados com diagnósticos de depressão e
ansiedade. A partir dessa análise, os pesquisadores conseguiram traçar um
retrato detalhado da relação entre a exposição ao som urbano e o bem-estar
psicológico.
Os resultados mostraram que o
risco de ansiedade é mais baixo em locais onde o ruído fica entre 45 e 50
decibéis. No entanto, quando o nível passa dos 53, o som começa a funcionar
como um estressor psicológico importante, afetando a saúde emocional dos
jovens, mesmo que eles morem ou durmam na parte mais silenciosa da casa.
“Vários estudos mostram que a
poluição sonora noturna interfere na arquitetura do sono, especialmente nas
fases profundas (REM e N3). Isso gera despertares noturnos, sono fragmentado,
aumento de irritabilidade e ansiedade, e, a longo prazo, maior risco de sintomas
depressivos”, pontua Brunna Lima.
A profissional ainda destaca que crianças, que possuem o
sistema nervoso ainda em desenvolvimento podem sofrer problemas de atenção,
aprendizado e regulação emocional “processam estímulos sensoriais com maior
intensidade e o som pode ser percebido como invasivo ou doloroso”.
Fonte: Diário de Pernambuco.


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