Em um 7 de Setembro atípico, em meio ao julgamento de Jair Bolsonaro no
Supremo Tribunal Federal (STF) e ao tarifaço imposto pelos Estados Unidos ao
Brasil, a direita bolsonarista e a esquerda foram às ruas ontem em defesa de
suas bandeiras: a anistia — agora também eleitoral — do ex-presidente e a
soberania nacional, respectivamente.
Com maior capacidade de mobilização, apoiadores e aliados de Bolsonaro
promoveram atos em 25 capitais e no DF, sendo os maiores na Avenida Paulista,
em São Paulo, e em Copacabana, no Rio. Juntos, os dois somaram 84,9 mil
pessoas, segundo o grupo Monitor do Debate Político, da Universidade de São
Paulo (USP).
A esquerda registrou o seu maior
público na Praça da República, em São Paulo, com 8,8 mil pessoas, também
segundo o monitor da USP, ligado ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
(Cebrap) — coordenado por Pablo Ortellado e Márcio Moretto —, em parceria com a
ONG More in Common. Em Brasília, no desfile cívico-militar pelo Dia da
Independência, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou do ato que
tinha o mote em defesa da democracia diante de outras 45 mil pessoas, segundo o
Planalto.
Em Copacabana, o senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ) cobrou o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta
(Republicanos-PB), que aprovasse um projeto de anistia “ampla, irrestrita e
geral”. Ele também teceu críticas à proposta alternativa do presidente do
Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que pode excluir o ex-presidente do perdão.
— Não existe anistia criminal sem anistia eleitoral — afirmou o senador,
pedindo para que os presidentes do Congresso “não cedam à pressão de Alexandre
de Moraes”, relator do caso no STF e visto como inimigo número um do
bolsonarismo.
Impulsionada pela oposição, a
pauta que propõe anistia aos condenados pelos atos de 8 de janeiro ganhou força
na última semana com o envolvimento do governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas, e, nas manifestações de ontem, passou a incorporar mais diretamente
uma defesa para que Bolsonaro possa concorrer em 2026. O ex-presidente está
inelegível e pode terminar esta semana condenado a até 43 anos por liderar uma
tentativa de golpe.
No ato da Avenida Paulista,
organizado pelo pastor Silas Malafaia, Tarcísio clamou pela anistia a Bolsonaro
e subiu o tom contra o STF, dizendo que ninguém aguenta mais a tirania de
Alexandre de Moraes. O decano da Corte, Gilmar Mendes, rebateu: “O que o Brasil
não aguenta mais são as sucessivas tentativas de golpe que, ao longo de sua
História, ameaçaram a democracia e a liberdade do povo”.
O choro de michelle
O discurso da ex-primeira-dama
Michelle Bolsonaro, na Avenida Paulista, foi o mais esperado pelos apoiadores.
Em tom religioso e chorando, disse que os seus direitos têm sido violados e
afirmou que o seu marido está “amordaçado em casa”.
— Vejo os policiais na esquina, a
imagem da minha família sendo violada, a minha filha de 14 anos indo para a
escola todos os dias tendo que abrir a porta do carro para verificar se tem
alguém escondido dentro. Todos os dias alguém revista o meu carro. É muita
humilhação que estamos vivendo — falou a líder do PL Mulher.
Nos outros atos, Michelle enviou
um áudio aos apoiadores. Na gravação, ela diz que fala em nome do
ex-presidente, impedido de comparecer por “injustiça e perseguição”. Bolsonaro
cumpre prisão domiciliar em Brasília por tentar obstruir a Justiça, após seu
filho Eduardo atuar junto ao governo americano para pressionar o STF..
— Em 2022, mais de um milhão de
pessoas ouviram o meu marido em Brasília naquela comemoração histórica do
bicentenário da Independência. Hoje, por perseguição e injustiça, ele não pode
falar. Mas nós falaremos por ele até que essa tirania e essa perseguição sejam
vencidas — disse Michelle.
Com Tarcísio e o governador de
Minas, Romeu Zema, em cima do trio elétrico, Malafaia criticou as movimentações
políticas para escolha de um candidato da direita para concorrer à Presidência
que não seja Bolsonaro. O pastor, que foi alvo de uma operação da Polícia
Federal por ser acusado de tentar obstruir a Justiça, se disse perseguido.
No ato da direita em Brasília,
estiveram presentes ex-ministros, deputados e senadores da oposição. Os
discursos foram marcados por ataques ao STF e à condução do julgamento da
chamada “trama golpista”. Bonés, camisetas, bandeiras e cartazes utilizados
pelos bolsonaristas reforçaram as críticas a Lula e Moraes, também com menções
à Lei Magnitsky.
Defesa da soberania
Já Lula participou do tradicional
desfile de 7 de Setembro, ao lado da primeira-dama, Janja da Silva, ministros e
autoridades de seu governo. Neste ano, o Planalto usou a data para reforçar a
mensagem de soberania nacional e patriotismo, em contraponto direto à narrativa
bolsonarista.
Os ministérios foram enfeitados
com cartazes com os dizeres “Brasil Soberano” e “Governo do Brasil do lado do
povo brasileiro”. O slogan “Brasil Soberano” também ilustrou os bonés que foram
distribuídos pela Secom.
Sobre pressão dos dois lados, o
presidente Hugo Motta foi o representante do Congresso no desfile, enquanto
Alcolumbre cumpriu agenda fora de Brasília. Mesmo convidados, os ministros do
Supremo decidiram não comparecer ao desfile, que ocorreu na Esplanada dos
Ministérios. Governistas avaliaram que a ausência dos magistrados evita teorias
conspiratórias de conluio entre a Corte e o governo para condenar Bolsonaro.
Sem citar nomes, Motta publicou
um vídeo em suas redes sociais em que questiona o que seria uma verdadeira
independência.
— Em um país que mais parece um
campo de batalha, ter independência é escolher não lutar uma guerra de
narrativas, mas trabalhar para entregar resultados — disse o presidente da
Câmara.
Centrais sindicais e lideranças
de esquerda também se reuniram país afora; foram 25 capitais e no DF, segundo o
PT, em atos marcados pela exaltação da autonomia do Brasil em relação às
sanções aplicadas pelos EUA.
No Rio, um protesto mais tímido
ocorreu no Centro da cidade, com a participação dos deputados federais Jandira
Feghali (PCdoB), Benedita da Silva (PT), Pastor Henrique Vieira (PSOL), Reimont
(PT) e Chico Alencar (PSOL).
Fonte: Folha de Pernambuco.
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