Ilha de Deus e o Movimento Caranguejo Uçá: defesa do território e da cultura pesqueira


 

Conhecida como a “Veneza Brasileira”, a cidade do Recife foi erguida sobre rios e manguezais, com uma forte presença de comunidades pesqueiras. Com o passar dos anos, a atenção ao meio ambiente e a esses povos foi deixada de lado, e os moradores dessas áreas sofreram as consequências, entre eles os habitantes da Ilha de Deus, na zona sul da capital. Para dar voz a essa população, foi criada, no ano 2000, a Ação Comunitária Caranguejo Uçá.

Em seu site oficial, o projeto descreve que surgiu “a partir da indignação dos filhos e filhas das pescadoras que estavam no enfrentamento desde a ocupação do território” e que tem como base uma “comunicação que emana do povo, compreende a arte e sua diversidade como caminho para essa expressão”.

O coletivo tem como foco a conservação do manguezal e valoriza a relação com os territórios pesqueiros. “Por meio da educação e comunicação popular, constrói, junto aos povos tradicionais, ações para incidência política, na perspectiva do direito à cidade, por justiça socioambiental e no combate ao racismo”.

O cofundador do coletivo, Edson Fly, mora na Ilha de Deus há 40 anos e está envolvido nas lutas sociais desde a infância. Ele destaca que “Caranguejo Uçá nasceu assim, no final dos anos 1990, mas, em 2000, foi chamado de Caranguejo Uçá. Primeiro nasce a ação, para depois nascer a consciência de que somos Caranguejo Uçá. Esse não é só um nome fictício, é também um sentimento de pertencimento a um universo, ao bioma manguezal. A luta nasce também para preservar as memórias e as batalhas dessas mulheres e desses homens do passado”.

O projeto tem diversos braços, entre eles os movimentos de mulheres pretas, da comunidade tradicional pesqueira quilombola e da diversidade. Cerca de dez pessoas participam do núcleo, que produz notícias denunciando crimes ecológicos e dá voz à comunidade.

Além disso, destacam-se como frentes de atuação do coletivo o Cine Mocambo, Ciranda de Mulheres, Brechó Cultural, Biblioteca Viva, Jornal da Maré, Trilha – Teatro de Rua da Ilha e a Teça no Mangue.

Este último consiste em uma atividade pedagógica que reúne estudantes universitários, alunos do ensino médio e fundamental, coletivos de resistência, estrangeiros e a população em geral para debater pautas como a potência dos territórios pesqueiros, identidade, cuidado com o ecossistema e racismo ambiental.

Outro exemplo de ação promovida pelo grupo é a Ciranda de Mulheres, que consiste em rodas de troca de saberes e autocuidado com pescadoras artesanais da Ilha de Deus, Bode, Brasília Teimosa, Ilha de Mercês e outros territórios.

 “Você chega no Caranguejo Uçá e, em todos os espaços, há quadros, um anfiteatro, porque temos um grupo de teatro, tem a Ciranda de Mulheres, que é conduzida apenas por mulheres, como Teresinha e Aurilene, que lideram esse projeto essencial para mulheres pretas em territórios periféricos e que, ao mesmo tempo, são pescadoras de um território tradicional pesqueiro. Ou seja, a Ilha de Deus, assim como outras comunidades pesqueiras tradicionais, possui uma nomenclatura de luta importante, mas vai além disso. A Ilha não é apenas uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS)”, pontua Edson Fly.

O grupo defende que a educação e a comunicação popular são fundamentais para construir, em parceria com os povos tradicionais, ações de incidência política voltadas para o direito à cidade, a justiça socioambiental e o enfrentamento do racismo.

 “A Caranguejo Uçá tem essa missão, com núcleos de comunicação, teatro, música, literatura e formação política de jovens, mulheres e homens. Agora, estamos gravando uma série com 10 capítulos chamada Armarés, junto com a Comunidade do Bode e os coletivos Jacaré e Mangue”, afirma Edson Fly.

A Ilha de Deus é uma comunidade tradicional pesqueira do Recife, localizada entre os bairros Imbiribeira e Pina. Ela está inserida em um estuário – região onde ocorre o encontro do rio com o mar – e abriga um dos maiores manguezais em área urbana do mundo. É lá que se encontram os rios Pina, Jordão e Tejipió.

A ocupação da Ilha de Deus começou com a construção de palafitas, e os primeiros moradores precisavam se deslocar de barco ou a nado. O local não era contemplado com saneamento básico e carecia de infraestrutura que favorecesse o desenvolvimento da comunidade.

A partir de 2007, a Ilha de Deus começou a ser estruturada para integrar harmoniosamente as famílias e a vegetação nativa, dando início ao processo de urbanização da comunidade. Essa transformação foi fruto da organização e do fortalecimento do senso de pertencimento entre os moradores. Hoje, aproximadamente 2 mil pessoas vivem na Ilha de Deus.

A comunidade manteve sua identidade tradicional pesqueira graças à resistência de mulheres que lutaram por direitos e políticas públicas. A Ação Comunitária Caranguejo Uçá ainda enfrenta desafios para se manter ativa e realiza a campanha “De 1 em 1 real a um milhão, parindo a revolução”.

As doações podem ser feitas via Pix caranguejouca@gmail.com ou por transferência para o Banco do Brasil (001), Agência: 1838-4, Conta Corrente: 65883-9.

Fonte: Diário de Pernambuco.

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